domingo, 22 de dezembro de 2013

Rastapé

Morar no interior (não sei se todo lugar é assim), não é um marasmo como o povo da cidade pensa. Na verdade, pouco se sobra de tempo, pra ficar sem fazer nada. Isso, na minha época, a uns 25 anos atrás! Não sei agora, como estão as coisas.
Bom...mas o fato é que, todos trabalhavam, estudavam (ou simplesmente iam a escola) e viviam em função do tão esperado sábado. O que tinha de especial esse dia?! Simples: Festa!!! Forró!! Jogo de futebol entre os times rivais, das comunidades locais (Bangú, Santos, Prainha, e não lembro mais do resto)! Particularmente, nunca gostei de futebol, apesar de ser vascaína (não sintam dó; eu amo). Principalmente dessas "peladas"de interior, que só dava muito era briga, discussões, palavrões (onde os nomes das santas mãezinhas viravam panos de chão), e mulheres dos "jogadores", perdendo a compostura! Provavelmente, ao longo do meu tempo por lá, só fui nos torneios, umas 3 vezes. Isso, porque tinha algum outro interesse envolvido (sem maldade). Mas senhores....meu fraco eram as festas! Vinda de uma família festeira e barulhenta, não teria como escapar dessa sina! Tava no gene o negócio de festança. Na época, eu com meus 14, já era a dona da casa, pois mamãe havia se evadido do cargo de mãe e esposa (pegou justa causa). Minha irmã continuava morando em Manaus (nunca mais voltou a morar no Careiro). Então...éramos eu e meu Guerreiro. Quando tinha alguma festa, em alguma comunidade (Bota Fogo, Bangú, Independente, Divino e/ou Vila), eu já procurava saber com minha prima,/amiga/irmã Gerdilane (morena linda, de olhos grandes, e cabelos cacheados de um negro invejável), se eles (tio Xico, irmão de meu pai, e pai dela), iriam à festa (seja qual fosse). Geralmente, a resposta era afirmativa. Dizia logo: tô dentro! e ouvia em resposta, um sorriso de canto de boca, que eu traduzia: como se eu já não soubesse!
E começavam os preparativos! Limpar casa (agora com uma animação fora do comum), jogar o penico (o conteúdo) na casinha, fazer a comida do jeito que o véio gostava, encher o vaso dele de flores, encher os baldes (70l cada um) de água. Aqui, abro um espaço pra descrever a cena: mão direita um balde amarelo, que comportava uns 30l...e na cabeça um panelão, que era a mesma medida. Caminhar 50m do pequeno pátio da cozinha, pra "cabeça" do barranco, e descer (vertiginosamente) 70m até o porto, que se constituía por um pequeno flutuante de uns 7m, onde embarcávamos e desembarcávamos, lavava roupas e louças, e ainda tomava banho. Encher todos os vasilhames, era ter que dar 4 voltas nesse percurso. Mas...pensar na noite dançante fazia a adrenalina subir, e tornar a tarefa mais leve e menos enfadonha.
Nunca fui menina de  vaidades...meu pai até ficava triste. Na época, eu me achava tão feia, e assustadora, que achava um desperdício fazer unhas (pra encher de terra?!), depilar pernas (quê isso?), fazer maquiagem (palhaçada!) ou qualquer outra coisa do gênero. Queria era dançar! Rir com os primos!
À noite, era mais divertido ainda (pra mim)...deixava pra falar pro meu pai que iria pra festa, na hora em que o primo Francimar (branquelo, cabeção, cabelo espetado) chegava pra me buscar. Aí, tinha uma sessão de impropéritos, da parte de meu pai, que durava 15min de relógio! Depois disso, ele abria o caixa (que era uma caixa), e me estendia algumas cédulas de dinheiro (nem lembro mais o nome, já que nosso dinheiro mudava de nome toda hora), e dizia: pra tomar seu refrigerante. Filha minha não anda sem dinheiro! (kkkkk) E vou estar esperando a senhora (ironia) a tal hora...se passar, o cinturão vai entrar nos eixos (nem cinturão ele tinha). Beijava ele..dizia que ele era o melhor pai do mundo (ele grunia nessa hora)...e me ia noite adentro. Acabava de me arrumar lá com a Gerd (mudava o cabelo de posição. Só)...ia-mos, pro barranco esperar o barco passar, pra pegar carona (Rubens Martins, Gravata, Andrade, Seledon, etc), ou ir de canoa, com os primos e amigos remando (Wilson, Julio Cézar, Paulo Cézar, Santos..etc). Na ida pra festa, era aquela bagunça...todos cantando, rindo, contando piadas (graças a Deus eu esqueci quais). A ordem era a seguinte: todos ficarem perto; os meninos tomarem conta das meninas; se algum engaçadinho se metesse a besta...os Guerreiros fariam jus ao nome; nada de ninguém no escuro. Ok. Topávamos tudo.
Chegávamos na festa...no auge. Pegava logo o Santos, e ia pra sede (uma casa "desparedada", onde a cabôcada arrastava o pé e balançava o esqueleto), depois ficávamos trocando os pares...mas tudo em família, ou no máximo, um amigo íntimo. Lá pelas tantas, quando povo já tinha tomado todas (diria que se esforçavam pra acabar com todas), estourava uma briguinha. Sempre tinha brigas! Era som de garrafa se quebrando na cabeça de alguém; eram gritos estridentes de mulheres; era eu e meus primos correndo no rumo da porta de saída! Eita que era um caos! A banda (as vezes de um homem só, teclado), parava de tocar, fazia-se aquele discurso de conciliação, e depois da situação acalmada, e os brigões se retirarem pro terreiro (se quisessem se matar, que fosse lá),o som recomeçava (Teixeira de Manaus! Panananam...Teixeira de Manaus! Ui). Subíamos meio ariscos...mas depois a coisa ia relaxando de novo! Nessas alturas, meus primos, já haviam esquecido as juras de protegerem as donzelas da família, e estavam azarando as donzelas de outras famílias. Eu e minhas primas, ficávamos dançando juntas, até que algum conhecido piedoso, viesse nos tirar daquele opróbrio. Uma vez, houve tantas brigas na sede, que minha família fez uma festa paralela no quintal (devíamos cobrar patente...nós criamos as festas com vários ambientes). Senhores...foi um sucesso!! kkkkkkkk....Lá pelas 5hs ....meu tio saía recolhendo os filhos e sobrinhos, pra rumarem pra casa.  Dependendo da distância...chegávamos em casa acompanhados do Sr. Sol! Pés pisoteados, caras amarrotadas, sono até na alma! Íamos dormir! Alguns..até bem tarde. Outros (como eu), iriam levantar 2hs depois de ter deitado. Meu pai gritando que queria café! Que se eu queria levar vida de boêmia (não sabia nem o que era isso) eu tinha que me garantir! Ordens do tipo: vai jogar meu penico (transbordante, diga-se de passagem), quero tal almoço (ele queria o mais demorado), pesa essa saca de açúcar (50k, que depois de pesado só apareciam 47k), corta limão pra fazer a caipirinha de tal freguês (o tal freguês nem lá aparecia)... e com a desculpa de ir cuidar do almoço, eu colocava o arroz ou o que fosse no fogo, me deitava ao lado do fogão (só um pouquinho...só pra descansar os olhos)...e dormia a sono solto. Acordava com os gritos dele: Acoooooorda meninaaaaaa!!! O arroz tá queimandoooooo!!!!!! Tu nunca mais pisa em uma festa na tua vida!!!!!! Eu quase via a espuma de raiva, ao redor de sua boca.
Dizia comigo mesma: Da próxima vez, eu volto mais cedo (promessas que eu não cumpria).
Na segunda, a vida recomeçava...e tudo seguia do mesmo jeito! Só no balanço do banzeiro...

2 comentários:

  1. Aaaaaaai tia Nelma!! AMEI todos os seus contos, sinceramente. Sua escrita é leve e super divertida!! Já ganhou uma fã haha bjssss...

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    1. Muito feliz por vc ter gostado lindinha! Vc é um referencial em chiqueza!!!! rsss

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